Desde 1988, quando Walt Stack cruzou a ponte Golden Gate no primeiro comercial da Nike, o lema “Just Do It” ultrapassou a condição de slogan e se consolidou como filosofia de marca. Quase quatro décadas depois, a empresa decide revisitar seu mantra em uma nova campanha que dialoga com a geração Z e enfrenta a cultura do “cringe”.
Batizada de “Why Do It?” (“Por que fazer?”), a iniciativa questiona a ideia de que esforço e autenticidade são coisas ultrapassadas ou “cafonas”. “Essas três palavras significam muito para nós, mas não podemos nos colocar acima de tudo como se fossem sagradas. Precisamos garantir que elas ressoem com cada geração”, afirma Nicole Graham, diretora de marketing global da Nike.
A peça principal, narrada pelo rapper Tyler, the Creator, conta com estrelas como LeBron James, Caitlin Clark, Saquon Barkley (Philadelphia Eagles), Vini Jr. (Real Madrid e seleção brasileira) e a skatista Rayssa Leal. Enquanto treinam, erram, arriscam e se superam, a narração provoca: “Por que fazer? Por que se complicar? Por que arriscar? Por que se expor? Com tanto em jogo, com tantas chances de falhar... Por que se arriscar? Por que ousar? Sério, por quê?! Você pode dar tudo de si e ainda perder. Mas, e se não perder?”
A mensagem tem duplo sentido: fala tanto aos atletas quanto à própria Nike, que enfrenta queda de vendas e maior concorrência de marcas como Adidas e On, especialmente entre adolescentes.
Contra o “cringe”
O termo “cringe”, usado para rotular algo como constrangedor ou cafona, ganhou força entre os jovens e passou a desvalorizar até mesmo o esforço genuíno. Para Graham, é justamente aí que está a oportunidade de ressignificar o slogan.
“O medo de fracassar e de tentar, expressões como 'não seja um esforçado' ou 'isso é muito cringe', são usadas contra quem demonstra paixão por algo. Por isso, quisemos atualizar o sentido de 'Just Do It', mostrando que esforço e autenticidade nunca foram cafonas”, explica.
Segundo ela, a grandeza não está apenas em troféus, mas na coragem de começar: “Pode ser dar o primeiro passo, calçar o tênis pela primeira vez ou tentar entrar no time. Era hora de lembrar as pessoas disso.”
Reestruturação em andamento
A campanha surge em meio a mudanças internas. Após apostar no modelo direto ao consumidor em 2021 e acumular perdas, a Nike passou a redesenhar sua estratégia. Nicole Graham assumiu como CMO no fim de 2023 e Elliott Hill se tornou CEO em setembro de 2024.
No último trimestre fiscal de 2024, a empresa registrou queda de 12% nas vendas, para US$ 11,1 bilhões, frente aos US$ 12,61 bilhões do mesmo período anterior. Mesmo assim, suas ações subiram cerca de 2% no acumulado de 2025, ano definido como “de transição”.
Parte da nova estratégia inclui deixar de organizar seus produtos apenas por gênero e voltar a estruturar a empresa por esportes. O segmento de corrida foi o primeiro a ser reformulado, seguido por futebol, basquete e críquete. Em agosto, a Nike anunciou a demissão de 1% da equipe corporativa como parte do ajuste.
“Conseguimos transformar uma gigante global em algo que parece próximo, quase íntimo. Estou otimista: já vejo o quanto esse reposicionamento pode gerar resultados”, diz Graham.
A executiva resume a aposta em três frentes: presença em eventos ao vivo, conexão com momentos culturais relevantes e aproximação de comunidades locais. “A Nike precisa estar no palco global, mas também na esquina do bairro”, afirma.
De ícones a pessoas comuns
Além de nomes consagrados, a campanha busca valorizar atletas anônimos que treinam e se esforçam longe dos holofotes, assim como Walt Stack, que estrelou o comercial de estreia do “Just Do It” sem ser famoso.
Alguns dos trabalhos mais marcantes da Nike seguiram essa linha, como o comercial “Jogger” (2012), narrado por Jude Law, que mostrava um garoto correndo sozinho em uma estrada deserta, sem trilha sonora épica, apenas passos e determinação.
“Precisamos transformar nossos maiores atletas em figuras acessíveis, mas também transformar pessoas acessíveis em heróis. Esse equilíbrio sempre foi a essência da Nike”, conclui Graham.