Por Victória Bissaco
Donas de beleza e simpatia sensacionais, as modelos e influencers digitais Talita Vieira, de 32 anos, e Raphaela Amorim, de 27 anos, são alguns exemplos campo-grandenses de porta-vozes de uma moda além dos tamanhos “convencionais” e que preza pelo amor próprio. Com o slogan “bonita além do rosto”, as amigas dividem o sonho de deslanchar nas redes sociais e mostrar para o público que é possível se encaixar em todas as áreas, independente dos padrões já impostos pela indústria da moda.
Rapha e Tali, como se apresentam, protagonizaram juntas e com mais uma modelo e amiga, a empresária Daiany Benevides, um ensaio fotográfico para mostrar que mais corpos são bonitos além dos corpos magros que estampam revistas, campanhas publicitárias, filmes, séries e mais obras de entretenimento. “Queremos mostrar para todas as mulheres que elas são incríveis, independente do corpo delas. Como é bom ser real e viver se aceitando”, contam.
As amigas possuem experiências diferentes com a autoaceitação. Raphaela conta que convive com fibromialgia, uma doença reumatológica que afeta a musculatura e causa dores nos músculos. A doença a fez ter que desacelerar a rotina workaholic que levava, na qual fazia estágio em um escritório de advocacia pela manhã e trabalhava com eventos à noite. Iniciou o tratamento para a doença com remédios e ganhou cerca de 35 quilos.
Para a modelo, aceitar seu novo corpo foi natural. “Eu nunca fui magra, mas eu ganhei mais peso e sempre estive bem como a minha autoestima. Fui criada em um ambiente onde eles valorizavam muito minha beleza. Então, eu não cresci reprimida. Eu aproveitei para mostrar que, embora eu tenha ganhado peso, embora eu seja ‘gorda maior’, como eles chamam no mundo da moda, eu consigo mostrar beleza e ser real, assim como a gente vem falando na Internet”.
Conforme a modelo, o que muitas pessoas alegam é que pessoas gordas não são saudáveis igual pessoas magras, o que não é verdade. "Eu mesma faço exames de rotina todos os meses por causa da fibromialgia. Não tenho nenhuma alteração de saúde. Tem pessoas que são magras, consideradas 'dentro do padrão' e convivem com doenças que nós não. Então esse argumento não é válido e ajuda a propagar preconceito contra nós'.
Talita, por sua vez, privou-se de muitas coisas na vida em decorrência do peso “fora do padrão”. Tudo isso, por medo do julgamento que poderia enfrentar de outras pessoas. “A sociedade impõe que tem que ser magra. Que se você é gorda, você é feia. As pessoas colocam muito isso na nossa cabeça, na cabeça da nossa família e do mundo. Por isso eu me escondia muito”, conta.
A gordofobia é o preconceito contra corpos gordos, com a ideia de que pessoas gordas são ‘inferiores’. Essa discriminação também afirma que pessoas gordas possuem menos capacidade ou saúde do que aquelas que não são classificadas esteticamente como magras. A gordofobia é prejudicial por várias razões: impactos na saúde mental das pessoas e injustiça social, por exemplo, podem ser alguns “sintomas” de uma sociedade “doente” com vício em contemplar ideais de beleza magros.
Aos poucos, foi trabalhando a autoaceitação e entrando no mundo da moda. A estudante de medicina veterinária sempre foi apaixonada por fotografia e começou a modelar por incentivo da amiga, que possuía uma loja em um dos shoppings de Campo Grande. Desde então, começou a fazer cursos, estudar mais o mundo fashion e conquistou diversos títulos, como embaixadora News Plus Models Brasil 2021 e Miss Plus Golden Brasil e Fotogenia 2022, concurso nacional de Miss Plus Size no qual representou o estado na cidade de Recife.
“Aprendi muita coisa sendo Miss. A modelo da Miss é muito extrema: Miss é uma coisa mais delicada, enquanto modelo de passarela fashion é uma coisa mais sexy, sensual. Então, é um desfile mais rápido, é totalmente diferente. A gente vai estudando, treinando, aprendendo e cada experiência que a gente participa, cada desfile é diferente do outro. Um dia eu tenho que ser modelo do outro e já tenho que portar com mais suavidade”, detalha.
Não só modelos fotográficas, Tali e Rapha também desfilam em passarelas. Uma grande realização para as amigas, por exemplo, foi participarem do Desfile de Marcas Autorais, no Festival de Inverno de Bonito (FIB) e no Campão Cultural de 2022, do MS Fashion Week, no caso de Talita, e de desfiles de brechós da capital, no caso de Rapha.
"A gente estuda muito técnicas de modelagem, de como desfilar, treinamos bastante, ficamos horas com salto. Participar de eventos assim, onde podemos mostrar nosso trabalho e colaborar com a moda sul-mato-grossense é uma realização muito grande para nós", comenta Talita.
Influencers
Outro grande passo na carreira das modelos foi começar a estender o trabalho para as redes sociais. As amigas se denominam blogueiras e somam, juntas, cerca de 14 mil seguidores no Instagram - Talita com pouco mais de 7.250 em e Raphaela, quase 6.200. Atualmente, dedicam-se exclusivamente para os trabalhos como modelos e com as redes.
Um grande desafio encontrado pelas modelos é quanto terem suas profissões validadas. As amigas contam que, muitas vezes, os empresários ou empresárias campo-grandenses oferecem valores que não compensam o gasto com produção, deslocamento e planejamento de postagem.
“Quando você está no começo, você acha que você é obrigado a passar por isso e aí sempre os primeiros trabalhos são preocupantes. Já cheguei a fechar parceria com uma pessoa que tem mais de cinco lojas na cidade. Ela usou minha imagem nas cinco e me pagou tipo R$ 100. Eu fiquei umas quatro horas fotografando e não me deram as fotos até hoje. Eu trabalhei de graça”, relembra Talita Vieira.
Raphaela Amorim conta que, agora com mais experiência, optam por selecionar melhor os trabalhos que são oferecidos. “ A gente escuta muito, principalmente dessas lojas que não valorizam, ‘mas é só tirar foto’. Se você olhar as modelos de São Paulo, elas não são assim, lá é muito valorizado. Recebemos relatos que é R$ 100 a hora de meninas lá, ou R$ 45 o look. Aqui, dependendo do valor que a gente cobra, é nada”, explica.
As amigas contam que, além de fotos e vídeos, os trabalhos com publicidade requerem delas planejamento, horas e até dias de produção das imagens, e edição. “Eu fiz unhas, fiz cabelo, me dediquei. Não podemos apenas pedir para os bancos esperarem para pagarmos nossas contas. Por isso, esperamos mais consideração dos contratantes”.
Mercado plus na capital
A indústria da moda no geral costumava ser dominada por um ideal de beleza extremamente magro, que excluía a maioria das pessoas. A moda plus size destaca a importância da representação de corpos de todos os tamanhos, mostrando que a beleza e o estilo não estão restritos a um único padrão. Na capital, apesar de algumas lojas especializadas nesse público, o público plus size ainda sente dificuldades com a modelagem.
“Eu sou plus size e minha mãe também. Visto 48 e minha mãe deve ser 50 ou 52. A gente procura roupa tanto pra mim quanto para ela. De uns anos para cá, sentimos que começou a aparecer um pouco mais de loja. Só que é complicado essa parte do plus size, porque às vezes a loja fala que é até o tamanho 50, só que aquele 50 não vai servir. É muito ruim você entrar numa loja que ali está 50 e não ser, como é o caso da minha mãe”, explica Talita.
Tanto Tali quanto Rapha sentem que há necessidade de um crescimento maior de lojas que atendam o público de tamanhos “não convencionais”. “Eu acho que aqui em Campo Grande tem muito que crescer. As novas lojas têm que entender sobre essa parte de tamanhos, porque nem toda a fábrica é o mesmo tamanho, muda totalmente. Mas assim, de grauzinho em grauzinho, vai”, espera Rapha.
Conheça o trabalho das modelos - Talita Vieira está no Instagram como @talitavieiraplus, Raphaela Amorim como @raphaelaamorimm, e Daiany Benevides como @daianybenevides.