Por redação
O Ministério da Educação (MEC) planeja abrir uma consulta pública para discutir a proposta de autorizar a oferta dos cursos de graduação em Direito, Enfermagem, Odontologia e Psicologia na modalidade de ensino a distância (EAD). Conselhos representativos das respectivas áreas se opõem a iniciativa, gerando conflito com as instituições de ensino privadas que são a favor. Movimento de mudança dos cursos do ensino superior ofertados na modalidade presencial para a modalidade EAD cresce no país.
Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) revelam que em 2020, no início da pandemia, o número de estudantes que ingressaram em cursos EAD foi superior ao número de ingressantes em cursos presenciais nas universidades brasileiras. Os recentes números do Censo da Educação Superior, divulgados na semana passada, indicam uma ampliação dessa tendência, sendo uma preocupação adicional para o MEC.
A secretária de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC, Helena Sampaio destaca a migração de cursos presenciais para a modalidade EAD como um fenômeno em andamento. A oferta de cursos a distância depende do MEC. Há dezenas de graduações que podem ser cursadas EAD, principalmente bacharelados, licenciaturas e cursos tecnólogos.
A medida de incluir os cursos de Direito Enfermagem, Psicologia e Odontologia na modalidade encontra resistência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dos Conselhos Federais de Enfermagem (Cofen), Psicologia (CFP) e Odontologia (CFO). Os quatro assinaram nota conjunta contrária à medida e também se posicionaram individualmente, criticando a intenção. "A OAB tem reiterado ao MEC sua preocupação com a grande quantidade de cursos de Direito de má qualidade e, nesse contexto, se posiciona contra a liberação de cursos a distância, que não atendem às necessidades para a boa formação dos estudantes", diz Beto Simonetti, presidente da OAB Nacional.
O Cofen afirma ser "fortemente contra" o EAD. "O Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem entende que a profissão exige habilidades teórico-práticas e relacionais que não podem ser desenvolvidas sem contato direto e intenso com pacientes e equipamentos de saúde".
Mesmo a exigência do MEC de que parte do curso seja feita de forma presencial não é suficiente. "Temos lutado em muitas frentes, acreditando que o enfermeiro com boa formação vai valorizar a nossa profissão. O Cofen denunciou as condições dos polos de apoio presencial dos cursos na Operação EAD", acrescenta o texto.
Em 2015, o Cofen mandou 118 fiscais a 315 polos de apoio presencial dos cursos EAD de Enfermagem espalhados pelo País. O relatório final apontou que a situação era "estarrecedora", e informava que muitos não contavam com laboratórios, bibliotecas ou condições mínimas de apoio. Além disso, o fato de alguns dos polos estarem instalados em cidades pequenas impedia a oferta de estágio supervisionado.
O Conselho Federal de Psicologia, por sua vez, defende que todos os cursos da área da Saúde sejam feitos integralmente de forma presencial. O órgão enviou à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado um parecer em que pede o fim da autorização de cursos EAD. No material enviado, alerta que "o ensino a distância nos cursos da Saúde representa um grave retrocesso, com precarização da qualidade da formação e, consequentemente, da assistência ofertada à população".
E o CFO, que representa os dentistas, também é contra. "Não se deve descartar que cursos de Odontologia se valham de soluções tecnológicas no processo de ensino aprendizagem, porém o perfil do profissional exigiria o desenvolvimento de habilidades manuais e o domínio prático de técnicas que atualmente seriam, na visão apresentada, de difícil disponibilidade na modalidade EAD".
Em contrapartida, a maioria das entidades que representam as instituições de ensino superior defende as eventuais novas autorizações. Na avaliação delas, o EAD "democratiza" o ensino e permite que os cursos sejam oferecidos a alunos de todos os cantos, inclusive de cidades distantes - na mesma linha do que foi dito na semana passada, sobre o avanço do EAD em todos os níveis. A Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) esclarece que "entende a Educação a Distância (EAD) é um importante instrumento para a democratização e a interiorização da educação, mas que precisa ser feita com qualidade. Muitos brasileiros têm na EAD a única alternativa para a sua profissionalização".
A entidade também sustenta a importância da realização da consulta pública pelo MEC. "Além disso, cabe frisar que a educação mediada por novas tecnologias é o presente e o futuro. A consulta pública anunciada pelo Ministério da Educação (MEC) é uma ótima oportunidade para se entender quais são os pontos de melhoria na regulação desta modalidade de ensino, a fim de garantir que a sua finalidade continue se cumprindo".
A Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), principal representante do ensino superior privado no país, também é favorável à ampliação da oferta. O diretor-presidente da ABMES, Celso Niskier relata que "a educação a distância pode ampliar o acesso dos jovens a graduações consideradas tradicionais que, muitas vezes, ficam restritas apenas aos grandes centros. Defendemos essa modalidade, sempre com o foco na qualidade da formação de alunos".
Para o Semesp, que representa mantenedoras de ensino superior do Brasil, o posicionamento contrário dos conselhos já era esperado. A entidade defende a consulta pública do MEC e a ampliação da oferta de curso EAD, desde que ela seja feita com qualidade. O diretor jurídico do Semesp, José Roberto Covac explica que "há equívocos em relação à interpretação da legislação na oferta de EAD, como do Conselho de Enfermagem que externou sua preocupação em ofertar o curso integralmente a distância, quando o Decreto 9057, de 2007, já determina que as atividades práticas e as avaliações têm de obrigatoriamente ser de forma presencial. Não existe oferta de cursos na área de Saúde totalmente a distância".
Já a Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (Abruc) se mostrou reticente. O assessor jurídico da Abruc, Dyogo Patriota relata que em relação ao crescimento dos cursos EAD no Brasil existem duas duas preocupações, sendo uma referente ao estudante e a outra as universidades . "Para os alunos, embora tenha ampliado acesso ao ensino superior, há um consenso sobre a falta de qualidade desses cursos, o que se reflete na incapacidade do MEC de fiscalizá-los. Há instituições de ensino superior que podem abrir mais de 300 polos de ensino a distância sem prestar contas a ninguém. No que envolve as universidades com excelência há uma forte preocupação não só porque ensino a distância não é a regra mas, sim, a exceção em todos os demais países, mas tem criado uma guerra entre as instituições, não pela apresentação de excelência no ensino, mas tão só pelo preço". Quanto a decisão do MEC, Patriota conta que é necessário pensar na qualidade do ensino. "O que o MEC escolherá? Formar muitos e muito mal ou criar políticas de acesso ao ensino superior de qualidade?"