Por Victória Bissaco
O Marco Temporal de terras indígenas é assunto de debate há decadas. Para os produtores rurais e proprietários de terra, a demarcação de terras é importante para não impactar negativamente nos negócios. Para as comunidades indígenas, é relembrar a violência praticada contra essa população, que acarretou na expulsão de seus territórios.
O "marco temporal" é um termo que tem sido amplamente discutido no contexto dos direitos das comunidades indígenas, principalmente no Brasil. A tese jurídica do marco temporal condiciona a demarcação das terras tradicionais dos povos indígenas à sua efetiva ocupação na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Assim, os povos originários só poderiam reivindicar a posse de áreas que ocupavam até essa data. Na semana passada, essa tese foi derrubada pelos ministros do STF.
Conforme estipulado na Constituição Federal, as terras indígenas são consideradas patrimônio da União e estão sujeitas ao uso exclusivo das comunidades indígenas. Estas terras são caracterizadas como inalienáveis e indisponíveis, o que implica que não podem ser objeto de transações como compra, venda, doação ou qualquer tipo de acordo, e todos os atos que visem à ocupação, controle ou posse dessas terras por não indígenas são considerados nulos e sem efeito.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) manifestou que o Projeto de Lei do Marco Temporal "propõe legalizar crimes contra povos indígenas". A Articulação expressou, ainda, que as terras indígenas são fundamentais para garantir o futuro do planeta, uma vez que os povos indígenas preservam 80% da biodiversidade mundial.
O líder indígena do Conselho Terena da APIB, Lindomar Terena explicou ao MS Conecta que os povos indígenas reinvidicam apenas que seja cumprida o que foi garantido pela Constituição. "O Marco Temporal é um atentado gravíssimo contra um conjunto de direitos e tratados internacionais. Isso foi confirmado pelo Plenário do STF".
Por 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Marco Temporal das terras indígenas é inconstitucional. Para Carmen Lucia, as terras indígenas representam direitos fundamentais desses povos. Mas a tradicionalidade, o vínculo deles com a área precisam ser comprovados. O que não pode, segundo a ministra, é uma marcação temporal limitar essas terras.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva disse que a derrubada da tese do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi “um ato de justiça e de reparação”.“Foi uma vitória dos povos indígenas, do bom senso e da justiça, e uma esperança para o Brasil, fazendo essa reparação. Viva a luta daqueles que resistiram”.
Indenização aos proprietários - Apesar de derrubar o Marco Temporal das terras indígenas, o STF definiu por unanimidade que pode haver indenização a proprietários que tenham ocupado, de boa-fé, terras que venham a ser demarcadas como indígenas.
A indenização por benfeitorias e pela terra nua valerá para proprietários que receberam dos governos federal e estadual títulos de terras que deveriam ser consideradas como áreas indígenas.
A tese aprovada confirma a derrubada do marco temporal e autoriza a indenização prévia paga em dinheiro ou em títulos de dívida agrária. No entanto, o processo deverá ocorrer em processo separado, não condicionando a saída dos posseiros de terras indígenas ao pagamento da indenização.
Essa indenização, no entanto, é criticada por lideranças indígenas. Na avaliação das entidades, a Constituição veda a indenização do valor da terra nua nas demarcações, mesmo para particulares de boa-fé (art. 231, parágrafo 6º, da CF). Porém, em caso de eventual indenização, após análise de cada caso, elas defendem que ocorra de forma desassociada do procedimento de demarcação, para não tornar o processo ainda mais moroso.
“Do contrário, as demarcações pendentes ficarão inviabilizadas na prática, pois, se tornarão completamente dependentes de vultosos recursos financeiros estatais, que são escassos”, diz a nota divulgada pelas entidades.
O documento é assinado pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns, a Comissão Arns; pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi); pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); e pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) que se dizem confiantes de que o STF se manterá como maior de guardião da Constituição Federal de 1988 e protetor dos direitos fundamentais de grupos sociais minoritários e vulnerabilizados, como os povos indígenas brasileiros.
O que dizem os proprietários rurais - O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Marcelo Bertoni afirmou em coletiva de imprensa realizada nesta quinta-feira (28) "respeitar" a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de derrubar a demarcação temporal de terras indígenas. Apesar disso, não concorda com a Corte.
O Senado Federal, por sua vez, aprovou o Marco Temporal, com 43 votos a favor e 21 contrários. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco reafirmou seu compromisso com a tramitação da matéria e defendeu que o Congresso Nacional se posicione sobre questões importantes para o país.
Quanto ao impasse entre o STF e o Senado, Bertoni pontuou que a Casa de Leis "fez a sua parte que foi fazer as leis e regulamentá-las, um trabalho muito bem-feito".
Outro ponto levantado foi quanto às ocupações da comunidade indígenas de terras. "Não são benéficas para ninguém. Nesta situação, eu me preocupo muito com a agricultura familiar, como é o caso do município de Douradina, onde 315 pequenos produtores, com propriedades com a média de 4 hectares, são impactados".
Um estudo recentemente publicado pela Comissão Pastoral da Terra revela que no decorrer do ano de 2022, um total de 14.638 famílias indígenas sofreram impactos decorrentes de conflitos relacionados à posse de terras em várias localidades no interior do estado de Mato Grosso do Sul.
De acordo com os resultados da pesquisa, os municípios que registraram os maiores níveis de afetação no ano passado incluem Amambai, Caarapó, Coronel Sapucaia, Corumbá, Douradina, Dourados, Japorã, Miranda e Naviraí.
O líder terena, Lindomar afirma que as ocupações são, na verdade, retomada de territórios. "As retomada de nossos territórios sempre se deram como último instrumento legal e contundente para rompermos as cercas que nos separam de nossos territórios", finalizou.