Em 2060, maioria dos trabalhadores terá mais de 40 anos. Empresas já criam vagas para profissionais mais velhos

Em menos de quatro décadas, maiores de 50 serão um terço da força do trabalho, diz estudo

15/07/2023 00h00 - Atualizado em 19/07/2023 às 15h24

Por redação

Em menos de quatro décadas, maiores de 50 serão um terço da força do trabalho, diz estudo. Vertente de diversidade se torna uma questão estratégica para os negócios O pesquisador estima que o número de trabalhadores disponíveis no país vai cair 6,3% até 2060, o que significa uma perda de cerca de 7 milhões de pessoas em relação ao contingente atual, de 107,5 milhões.

Prestes a completar 60 anos, Marcelo Gouveia não esconde a felicidade que sente em ter um emprego com carteira assinada na sua idade. Com mais de 20 anos de experiência no setor de inspeção e fraudes em instituições financeiras, ele foi demitido em 2019 após seis anos em uma seguradora.

Depois, soube que, pelo critério usado pela antiga empresa no corte, era “velho” demais. As contas atrasaram, o imóvel alugado foi entregue e ele trabalhou como motorista de aplicativo por seis meses. Mas, em 2021, ele encontrou uma nova oportunidade no mesmo setor em que acumulou experiência. Desde então, trabalha como analista de prevenção a fraudes no Banco BMG.

Busco sempre me atualizar e me aperfeiçoar cada vez mais. Não me vejo parado. Pelos meus cálculos, tenho mais quatro anos até me aposentar. Mas enquanto estiver com saúde e condição, eu produzo e quero seguir em frente. Gosto muito do que faço, vibro com os resultados — diz.

Pouco a pouco, relatos como este são mais frequentes. Ainda que em passos lentos, a contratação de profissionais com mais de 50 anos avança em empresas brasileiras. Mas o que era tratado até agora como mais uma vertente dos programas de diversidade já começa a ser vista como uma estratégia de negócio diante do envelhecimento da população.

Subgerente de uma padaria na Zona Norte do Rio, Isabel de Jesus Souza,55 anos, deu entrada na papelada em abril para se aposentar. Está feliz, mas não quer parar de trabalhar: vai fazer cursos para começar uma nova profissão, a de maquiadora.

Os dados do Censo 2022 divulgados pelo IBGE na semana passada mostraram que o crescimento da população brasileira está desacelerando mais rapidamente que o esperado, e isso tem pelo menos dois reflexos diretos sobre o mercado de trabalho, aponta um estudo inédito do economista Rogério Nagamine.

Entenda os principais pontos da pesquisa

Menos gente para trabalhar: O pesquisador estima que o número de trabalhadores disponíveis no país vai cair 6,3% até 2060, o que significa uma perda de cerca de 7 milhões de pessoas em relação ao contingente atual, de 107,5 milhões.

Futura força de trabalho será mais velha: Em 2060, a idade média dos trabalhadores será de 42,1 anos. O ano passado terminou com média de 38,8 anos, pouco mais de dois anos acima da de 2012, que foi de 36,9 anos. Segundo o economista, já no início da próxima década a idade média dos trabalhadores ultrapassará 40 anos.

Maioria grisalha: E, em 2060, mais da metade (54,4%) da força de trabalho terá mais de 40. No fim de 2022, eram 45,1%. Em menos de quatro décadas, os maiores de 50 serão praticamente um terço (32%) dos profissionais. Atualmente, eles são 22,4%.

Para Nagamine, o envelhecimento demanda políticas públicas e ações das empresas para enfrentar esse futuro. Será preciso aumentar a produtividade do trabalho e a capacidade de os profissionais aprenderem ao longo da vida. Ou seja, os trabalhadores precisarão se requalificar sempre.

— Haverá menos trabalhadores disponíveis, vamos ter que ser mais produtivos para manter o PIB (Produto Interno Bruto), para fazer a economia crescer — diz Nagamine, especialista em políticas públicas que foi subsecretário do Regime Geral de Previdência Social no governo passado. — O ritmo crescente da mudança tecnológica já demandaria por si só maior aprendizagem ao longo da vida. O envelhecimento da estrutura etária da força de trabalho reforça ainda mais essa necessidade.

O estudo de Nagamine considera dados da Pnad Contínua, do IBGE, e deve ser publicado na revista acadêmica da Fipe em julho.

Banco melhora atendimento

O BMG viu melhora no atendimento desde que criou, em 2021, um programa de contratação de pessoas com mais de 50 por uma terceirizada de call center. De lá pra cá, foram admitidos 36 profissionais maduros para o atendimento a clientes do banco que, muitas vezes, são idosos aposentados.

Marcelo Gouveia em seu ambiente de trabalho em SP: nova chance em área do Banco BMG que precisa da experiência de profissionais como ele, embora o tempo das ligações tenha aumentado, a comunicação com clientes melhorou.

— Essa pessoa que tem mais de 50 anos fala o mesmo idioma de quem está do outro lado da linha. Entende, tem mais paciência para explicar e gera mais empatia com coisas simples. É um projeto ganha-ganha: abre espaço de trabalho para quem é marginalizado e agrega valor ao negócio — diz Rosana Aguiar, gerente executiva de ESG do BMG.

Farmacêutica quer ter 20% do quadro acima dos 50

Na Sanofi, um banco de talentos maduros foi criado em 2021. A farmacêutica pretende ter 20% de profissionais com mais de 50 anos até 2025. Hoje, eles são 16% do quadro. — Conseguimos construir times equilibrados, com diferentes perspectivas, conhecimentos e habilidades complementares — diz Pedro Pittella, líder global do pilar Gerações+ na multinacional. — Benefícios já são colhidos.

Silvio Silva, de 53 anos, faz planos para a carreira na Sanofi — Foto: Acervo pessoal Silvio da Silva, 53 anos, é um dos recrutados. Seus 26 anos de experiência na indústria farmacêutica contaram para a Sanofi contratá-lo como consultor na área de oncologia. Ele faz planos:

— Quero continuar realizando o meu trabalho visando a uma promoção de nível no mesmo cargo e, no futuro, a uma oportunidade na área comercial ou de acesso. Venho me aperfeiçoando para isso.

'Exigência do mercado'

Mauro Wainstock, sócio-fundador do HUB 40+, consultoria focada em profissionais com mais de 40, diz que os programas são importantes porque ainda não é fácil para profissionais maduros disputarem uma vaga.

Jovens são uma mão de obra mais barata, vista como mais dinâmica, enquanto os mais velhos são classificados como defasados, observa o consultor. Para ele, é preciso romper a cultura “jovemcêntrica” das empresas:

— A inclusão desse grupo (maduros) não é só uma vontade empresarial momentânea, mas uma exigência cada vez maior do mercado com a crescente expectativa de vida.

Seguradora valoriza maturidade

Na MAG Seguros, a inclusão de profissionais acima de 50 anos ganhou tração com um programa de contratação voltado para esse público, criado em 2021 em parceria com o Instituto de Longevidade Mongeral Aegon. O objetivo é unir a experiência de vida desses profissionais para a formação em uma nova carreira como corretores de seguros. De lá pra cá, já foram contratados mais de 100 profissionais.

A empresa percebeu que a bagagem de vida, a tomada de decisão mais rápida e a maior credibilidade desse público contribuem para formação de uma carteira mais saudável e vitalícia de clientes.

Outro aspecto importante está no perfil de menor impulsividade, visto que a profissão de corretor exige resiliência, perseverança e assiduidade — diz Patrícia Campos, diretora executiva de gente e gestão da MAG Seguros.

Desejo de continuar ativa

Isabel de Jesus Souza, de 55 anos, subgerente de uma padaria em Marechal Hermes, na Zona Norte do Rio, deu entrada na papelada para se aposentar em abril. Está feliz, mas não quer parar de trabalhar.

Com tempo livre e a renda garantida, ela planeja começar um curso de maquiagem para ingressar numa nova profissão. Ser maquiadora é um sonho antigo que ela avalia ter muito tempo ainda para concretizar:

— É uma coisa mágica ter um trabalho.

Isabel de Jesus Souza, de 55 anos, não quer saber de descanso na aposentadoria. Vai usar o tempo para iniciar do zero uma nova profissão, a de maquiadora — Foto: Domingos Peixoto

Isabel acorda bem cedo todos os dias. O expediente em uma padaria próxima à sua casa, em Marechal Hermes, na Zona Norte do Rio, começa apenas às 14h, mas ela gosta de ter tempo para fazer as tarefas domésticas com calma e almoçar, para “chegar tranquila ao trabalho”.

A sergipana que veio para o Rio em busca de trabalho, começou em uma lanchonete. Depois, passou 17 anos em uma padaria e foi então contratada pela que é, há 16 anos, o seu local de trabalho. Ingressou como operadora de caixa e foi subindo de cargo.

Agora, se prepara para o momento esperado por muita gente. Mas, em vez de descanso, os planos que ela faz para a aposentadoria são bem diferentes. Com tempo livre e a renda garantida, ela planeja começar um curso de maquiagem para ingressar numa nova profissão. Sempre quis ser maquiadora.

Isabel acredita que, na sua idade, ainda tem muito para produzir, embora saiba que seria difícil obter nova vaga com carteira assinada. Ela diz não ver a aposentadoria como um fim, mas uma oportunidade para recomeçar e continuar perseguindo sonhos. E sonha alto:

— Não tive a chance (de fazer o curso), devido ao horário de trabalho. O tempo é muito curto. Mas não quero deixar esse sonho para trás. Pretendo montar futuramente um estúdio de maquiagem, ter meu próprio negócio. Você não pode parar de trabalhar, porque só assim você cresce.

Desafio na educação

Para Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da FGV, ex-presidente do Ipea e ex-ministro de Assuntos Estratégicos, um dos complicadores é que, considerando toda a força de trabalho, os mais velhos têm escolaridade mais baixa que a média, e a inclusão deles no mercado exige uma mudança cultural.

Ele observa que o Brasil “envelheceu antes de enriquecer”, e precisa traçar políticas públicas capazes de evitar a perda de dinamismo da economia com mão de obra menor e mais velha. Além de potencializar a experiência dos trabalhadores, ele diz que o país precisa principalmente preparar melhor os jovens:

— A reforma do ensino médio é um passo importante para a formação mais voltada às necessidades do mercado de trabalho. Mas é insuficiente — diz Neri, que defende maior ênfase em tecnologia.

O especialista aponta também o incentivo à imigração de mão de obra qualificada como outra saída, usada por países desenvolvidos com população envelhecida ou em declínio, como Canadá e Austrália.

Naercio Menezes Filho, professor do Insper, diz que as empresas têm alternativas para se adaptar à demografia, dos profissionais maduros às novas tecnologias, como a inteligência artificial. Para ele, o maior desafio é do governo:

— Vamos ter mais gente aposentada e menos gente jovem para produzir. Isso piora a situação fiscal do governo, aumenta o gasto público.

Empresas têm de se preparar, diz consultor

Se de um lado os profissionais podem se preparar melhorar na hora de buscar uma oportunidade, também as empresas devem compreender que a longevidade é um tendência global e que a experiência profissional, acumulada de forma real ao longo dos anos, tem muito valor, lembra o consultor Mauro Wainstock.

Veja a seguir cinco dicas que ele dá para empresas interessadas em aumentar a participação dos 50+ em seus quadros:

Conscientização: O primeiro passo é a empresa ter consciência de que este movimento da longevidade é global e que a experiência acumulada é um diferencial extremamente valioso. A partir deste olhar, ações efetivas devem ser aplicadas, seja em contratações via CLT, seja através de projetos, mentorias e consultorias pontuais que valorizem a maturidade, o conhecimento e o equilíbrio dos 40+.

Liderança engajada: A liderança deve se engajar efetivamente e mobilizar a equipe para o entendimento de que a integração geracional genuinamente harmônica vai propiciar debates mais enriquecedores, soluções mais criativas, uma cultura organizacional verdadeiramente inclusiva e riscos mitigados resultando, no final das contas, em uma marca empregadora mais fortalecida e em resultados financeiros mais pujantes.

Treinamentos contínuos: Os dirigentes da empresa devem estimular palestras de sensibilização institucional, promover treinamentos contínuos para atingir todos os níveis da organização e criar iniciativas concretas que incentivem o respeito mútuo e o combate ao etarismo, como guias com terminologias inapropriadas que devem ser evitadas.

Projetos de integração: Ideias que também vêm ganhando cada vez mais espaço são as mentorias intergeracionais, em que os participantes aprendem e ensinam simultaneamente, e a formação de squads (times ou equipes) que envolvem a pluralidade de opiniões e contribuem para a busca de soluções mais assertivas e sólidas na medida em que propiciam discussões profundas e diversificadas.

Inclusão personalizada: Também é necessário estabelecer práticas inclusivas, como programas de desenvolvimento de carreira, flexibilidade de horário e local de trabalho, levando em consideração os desejos e funções específicas de cada colaborador.


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