Por redação
Com o uso cada vez maior de tecnologia nas empresas, algumas organizações decidiram aproximar ainda mais as inovações digitais de seus processos internos de gestão de pessoas. Assim, diretores de recursos humanos (RH) passaram a assumir, também, as áreas de tecnologia das companhias onde trabalham.
É o caso do executivo Alessandro Bonorino, vice-presidente global de gente e sustentabilidade da BRF. Desde 2018 ele responde também pela transformação digital da empresa. Bonorino explica que a junção das áreas de RH e tecnologia possibilitou a criação de uma cultura mais ágil dentro da companhia, orientada ao uso da informação e de dados. “A transformação digital de uma empresa é também uma transformação cultural e traz impactos diretos no modo como trabalhamos”, analisa.
Bonorino acredita que a busca por soluções para os desafios do negócio acontece por meio das pessoas, e que o uso da tecnologia pode melhorar processos, garantir controles, reduzir custos e gerar valor. Um dos projetos realizados por ele e sua equipe que une RH e tecnologia foi a criação de um chatbot interno que usa inteligência artificial para responder dúvidas dos funcionários da empresa.
Segundo Antonio Salvador, diretor executivo da área de carreira da consultoria Mercer no Brasil, o RH tem sido cada vez mais percebido como um agente de transformação dentro das organizações, o que acaba envolvendo a tecnologia. “Isso não significa que o profissional de RH vai precisar aprender a programar”, esclarece. “Mas, sim, saber como preparar a empresa para que ela seja cada vez mais dinâmica e consiga tirar o melhor proveito da tecnologia”.
O especialista afirma que o principal benefício de diretores de RH englobarem a área é a possibilidade que eles têm de olhar a transformação digital sob o aspecto humano. “Algumas companhias enxergam a implementação de novas tecnologias apenas sob o aspecto de processos e esquecem como convencer as pessoas a se adaptarem àquela novidade”, relata.
Há 12 anos, Rute Melo Araújo começou a trabalhar na empresa de logística VLI e, desde 2020, é diretora executiva de gente, inovação e sustentabilidade da organização, cargo que também envolve a área de tecnologia. “Para a inovação acontecer, o mais importante é o ambiente da companhia. Não adianta ter pessoas super inovadoras trabalhando na empresa se, ao longo do tempo, essa inovação é tolhida através dos processos organizacionais”, defende.
Araújo revela que a sua atual cadeira permite que o RH tenha mais influência nas tomadas de decisão e na cultura do negócio, a ponto de a companhia reconhecer o valor das soluções que surgem por meio de inovação. “Eu sempre falo o seguinte: futuro anunciado, presente mobilizado. Ocupando as duas posições eu consigo mobilizar e acelerar a empresa em direção às transformações”. Para ela, o principal desafio é garantir que tanto as estratégias do RH quanto as de tecnologia sejam compatíveis.
Bonorino, da BRF, compartilha de opinião semelhante. “Ambas as áreas devem sair da zona de conforto e perceber que podem potencializar seus efeitos se trabalharem lado a lado”, diz.
Liliane Furtado, professora de comportamento organizacional, liderança e gestão de pessoas do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), acredita que independentemente de serem comandados por um único profissional ou de estarem separados no organograma da companhia, RH e tecnologia próximos podem alavancar a cultura digital da empresa e promover uma organização mais ágil e eficiente. “Juntar as duas áreas também facilita e impulsiona a transformação contínua dos negócios, na medida em que essas mudanças, hoje em dia, estão fortemente alicerçadas em dois elementos: pessoas e tecnologia”, pontua.
Salvador, por sua vez, defende que é papel do profissional de RH capitanear o lado humano durante qualquer momento de transformação pelo qual uma companhia passa - o que inclui as transformações tecnológicas. “Por isso, o momento que estamos vivendo é muito rico para os responsáveis pelo RH das organizações”, avalia.
Há também quem tenha trilhado o caminho inverso, passando a assumir o RH posteriormente à tecnologia. Quem fez isso foi Daniel Knopfholz, vice-presidente de tecnologia do grupo Boticário desde 2019 e que, em setembro do ano passado, se tornou responsável também pela área de gente da companhia.
Ele conta que a iniciativa de somar as duas áreas surgiu a partir da ideia de “deixar o RH mais tecnológico, e a tecnologia mais humana”. Ao mesmo tempo, a organização passou a sentir certa necessidade de ser mais autoral no seu modelo de gestão. “Uma empresa que se torna líder e começa a inovar precisa ter um RH que também comporte isso”, destaca.
Além disso, a companhia enxergou uma oportunidade para fornecer participação estratégica e visão de negócio ao RH. “A tecnologia oferece métodos que produzem colaboração, criação em conjunto e inovação contínua”, afirma. “Percebemos que, dentro da potência que o RH tem, isso poderia ser escalado e passar a permear todos os cantos da organização”.
Por outro lado, Knopfholz esclarece que recursos humanos e tecnologia não são completamente sinérgicos. “Não dá para imaginar que vai ser tudo unificado”, diz. “São duas áreas que devem ser mantidas separadas pelo bem da organização”. Para o executivo, é importante que ambas contem com orçamentos, equipes e estratégias distintas, ainda que sob o comando do mesmo profissional. “Juntar essas áreas e colocar uma única pessoa para liderar não significa que a coesão operacional irá ser automaticamente alcançada”, alerta Furtado do Coppead/UFRJ. “O grande desafio reside em uma aprender a falar a linguagem da outra.”
Maria José Tonelli, professora titular na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Eaesp) e coordenadora do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas (Noep), afirma que trata-se de duas áreas com perspectivas bem distintas e, no seu entender, é necessária uma mudança profunda de “mindset” do gestor. “Em uma visão otimista, podemos dizer que a aproximação com o RH se dá porque as tecnologias permitem eficiência e agilidade, características necessárias nas organizações contemporâneas”.
Esta, inclusive, não é a primeira vez que o grupo Boticário aglutina ambas as áreas sob a mesma direção. Knopfholz conta que, nos anos 2000, a tecnologia e o RH da empresa também estavam sob responsabilidade da mesma pessoa. “Acredito que é algo cíclico, e é provável que a gente entenda daqui um tempo que faz sentido separar novamente, uma vez que os mecanismos que estamos desenhando agora estejam funcionando em toda a companhia”, antevê.