Por redação
Depois de meses de negociações internas, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, deve enfim dar sinal verde para o envio de bombas de fragmentação para a Ucrânia, informou a agência de notícias Associated Press na última quinta-feira (6).
A decisão gerou controvérsia antes mesmo de seu anúncio oficial, no entanto. Grupos de defesa de direitos humanos são amplamente contrários a esse tipo de equipamento, e mais de 120 países proíbem a fabricação, venda e uso de armas e munições do tipo —uma lista que inclui oito dos 31 membros da Otan, a aliança militar ocidental que protagoniza o apoio ao esforço de guerra de Kiev.
Perguntas e respostas sobre o artefato
O que é uma bomba de fragmentação?
Trata-se de uma bomba que se fragmenta em dezenas de outras menores que se dispersam por uma área extensa. Em inglês, ela é chamada de bomba "cluster", isto é, um "aglomerado" de projéteis menores.
Bombas do tipo são lançadas a partir de aeronaves, equipamentos de artilharia ou mísseis, e podem tanto explodir no solo quanto em altitude maior. Elas foram projetadas para causar o maior número possível de baixas entre soldados dispersos em um campo de batalha.
O quão perigosa ela é?
Bombas de fragmentação têm efeito devastador se lançadas sobre a uma grande concentração de pessoas, como em um mercado ou em uma feira livre. Qualquer um que esteja na área tem grandes chances de ser morto ou gravemente ferido. Além disso, algumas das bombas menores podem ser de explosão retardada, tendo como objetivo dificultar o socorro a feridos ou impedir o conserto imediato das instalações atingidas, por exemplo.
Por fim, muitos desses projéteis não são detonados instantaneamente. Isso faz com que, assim como as minas terrestres, representem um risco à vida de civis em locais que foram palco de batalhas anos ou mesmo décadas após terem sido disparados.
Dados compilados pela agência de notícias Reuters em 2008 indicavam que um terço das vítimas de bombas de fragmentação eram crianças, e 60%, pessoas feridas enquanto realizavam atividades cotidianas.
Além dos EUA, que países ainda têm bombas de fragmentação em seus arsenais?
Em 2008, mais de cem países concordaram em proibir a fabricação, venda e uso de armas e munição de fragmentação ao assinarem a chamada Convention on Cluster Munition, ou convenção sobre bombas de fragmentação. Desde lá, esse número subiu para 123 — sendo 111 deles estados-membros do tratado e 12 apenas signatários.
Desde o estabelecimento do acordo, 37 dessas nações destruíram um total de 1,5 milhão de bombas de fragmentação, além de mais de 178 milhões de bombas menores. Isso corresponde a 99% de todas as bombas de fragmentação que seus governos tinham afirmado ter em seus arsenais militares.
Lá fora
Vale notar que nem a Rússia nem a Ucrânia são signatárias do tratado e, segundo relatórios do Conselho de Direitos Humanos da ONU e da ONG Human Rights Watch, já usaram bombas de fragmentação na guerra no Leste Europeu. A última organização ainda afirmou em relatório publicado esta semana que Kiev lançou projéteis de fragmentação dentro e ao redor da cidade de Izium, no leste, controlada pelos russos —os ataques teriam deixado ao menos oito mortos e 15 feridos, todos civis.
O Brasil tampouco é signatário da convenção, e em 2016, a mesma Human Rights Watch publicou um documento em que denunciava que bombas do tipo fabricadas no país pela Avibras teriam causado a morte de dois civis e deixado seis feridos, entre eles uma criança, no Iêmen.
Quem é a favor de enviá-la para a Ucrânia?
Tanto a Ucrânia quanto militares americanos defendem que o envio de artefatos do tipo pode ser vantajoso para o esforço de guerra contra a Rússia, sobretudo nas áreas ocupadas. "Do ponto de vista de eficiência no campo de batalha, acreditamos que seria útil", afirmou Laura Cooper, membro do Departamento de Defesa dos EUA, em uma audiência no Congresso. Segundo a AP, as bombas de fragmentação integrariam um novo pacote de ajuda militar a Kiev no valor de US$ 800 milhões, a ser anunciado na sexta-feira (7).
E quem é contra?
Grupos de defesa de direitos humanos, incluindo aqueles ucranianos, são os maiores opositores da iniciativa. Enquanto isso, Alemanha e França, dois dos membros da Otan que são signatários da Convenção sobre Bombas de Fragmentação, não criticaram ou se puseram contra a proposta, mas também não a endossaram, afirmando que não poderiam fazer copiar o exemplo dos EUA em razão do tratado.
Já a Otan lavou as mãos quanto ao assunto. "Cabe aos governos decidir", afirmou o o secretário-geral da organização, o norueguês Jens Stoltenberg. "Estamos ante uma guerra brutal, em que munições cluster [como as bombas são chamadas em inglês] são usadas por ambos os lados."
Que modelo de bomba de fragmentação deve ser enviado?
Segundo o jornal The Washington Post, o modelo que os EUA cogitam enviar para a Ucrânia é um projétil de artilharia M864, disparável de obuseiros de 155 mm produzidos pelos próprios americanos e por outros aliados da Ucrânia.
Ainda de acordo com a publicação, o equipamento data de 1987, e o último estudo divulgado sobre ele pelo Pentágono tem mais de 20 anos. A análise indicava que a taxa de "falhas" do modelo era de 6%, ou seja, a cada 72 submunições lançadas por uma bomba, quatro continuariam sem explodir considerando uma área de cerca de 22.500 m².
O órgão da Defesa afirmou, porém, que em testes mais recentes, esse índice foi de no máximo 2,35%. O porta-voz do Pentágono, o brigadeiro Patrick Ryder, afirmou ainda que as autoridades estão "selecionando com cuidado" munições com índices iguais ou menores do que este para enviar à Ucrânia.
O próprio Congresso americano não permite desde 2017 que os EUA usem munições de fragmentação com índice de falha maior do que 1%. Por isso, Biden teria que recorrer ao Foreign Assistance Act, ou ato de assistência estrangeira, que permite que o presidente americano forneça ajuda independentemente de restrições internas caso ele determine que ela é de interesse crucial da segurança nacional.
Em que guerras essa bomba foi usada?
Um relatório publicado no ano passado pelo Congresso americano afirma que a primeira vez em que bombas de fragmentação foram utilizadas foi na Segunda Guerra Mundial. Desde então, ao menos 15 nações, incluindo Reino Unido, França, Holanda, Israel e Marrocos, além de grupos armados independentes, teriam recorrido a elas durante enfrentamentos em 21 países diferentes.
Alguns dos conflitos marcados pelo uso de artefatos do tipo foram:
• Guerra do Vietnã (1959–1975): entre 1964 e 1973, os EUA lançaram cerca de 260 milhões de bombas menores apenas em Laos; só 400 mil, ou 47% delas foram desativadas, e pelo menos 11 mil pessoas morreram em decorrência da explosão dos artefatos
• Guerra do Afeganistão (2001–2021): entre 2001 a 2002, os EUA lançaram 1,2 mil bombas de fragmentação sobre o país do Oriente Médio, que continham mais de 248 mil bombas menores
• Guerra do Iraque (2003–2011): EUA e Reino Unido usaram quase 13 mil bombas de fragmentação contendo entre 1,8 milhão e 2 milhões de bombas menores só nas três primeiras semanas de combate no Iraque
• Segunda Guerra do Líbano (2006): Israel foi acusada de lançar quantidades significativas de bombas de fragmentação, sobretudo nos últimos três dias da guerra, quando um cessar-fogo mediado pela ONU já tinha sido acordado, resultando em quase 1 milhão de bombas menores não detonadas; relatórios indicam que o Hizbollah lançou cerca de 113 bombas de fragmentação no período