Novo perfil populacional traz desafios ao saneamento básico

Para especialistas, maior número de residências e crescimento de cidades do interior dificultam cumprimento de metas

02/07/2023 00h00 - Atualizado em 06/07/2023 às 22h35

Por redação

O crescimento do número de domicílios acima da taxa de aumento do total de habitantes e a interiorização da população com expansão de municípios menores mostrados pelo Censo devem tornar mais difícil para o país cumprir as metas de universalização do saneamento básico.

O Censo Demográfico divulgado na semana passada pelo IBGE indicou que a população brasileira aumentou 6,5% (para 213 milhões) entre 2010 e 2022, enquanto o número de residências cresceu 34% (para 91 milhões) no período. Com mais casas para fazer instalações e com o crescimento de municípios menores, com menos infraestrutura, as dificuldades tendem a crescer, dizem especialistas.

O aumento do número de domicílios nem é o problema central, diz Paulo Canedo, professor da UFRJ. “O ponto que importa é quanto a população cresce ou não em determinado lugar no mapa”, resume. “É preciso observar para onde se moveram as ‘manchas vermelhas’, ou seja, os locais onde a população cresceu mais do que era esperado. Estes se tornam casos mais desafiadores para o saneamento, onde o problema pode ser ainda mais agudo”.

Canedo diz que todos os lugares onde a população cresceu podem ser exemplos, visto que “não há município que esteja com essa questão 100% resolvida”. Para o pesquisador da UFRJ, é possível que o alcance das metas do saneamento possa atrasar mais do que já se espera em alguns locais.

Se crescer o número de domicílios não chega a ser um problema, em contrapartida o aumento da população abaixo do previsto - o Censo mostrou dez milhões de habitantes a menos que o esperado - também não alivia a situação. As metas do setor são alcançar 99% da população com água tratada e 90% com coleta de esgoto até 2035, mas os números indicam que o esgotamento sanitário atinge somente 50% da população brasileira. “A conversa ficou mais séria. Não tínhamos política de saneamento até o marco. Era uma maluquice, com muita falácia”, diz o professor da UFRJ.

Baixa verticalização do país é um desafio para construção de redes — Luana Pretto

A contagem menor da população não alivia a situação dos déficits já existentes nem elimina a necessidade de quase dobrar o investimento dos atuais R$ 82 para R$ 203 por habitante/ano, adverte Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil.

Ela acrescenta que a tendência de mais domicílios em um país não muito verticalizado é um desafio do ponto de vista de construção de redes. O Brasil ainda tem muitas casas, sobretudo fora das grandes regiões metropolitanas. “O desafio é menor em universos verticalizados porque a concessionária é responsável por levar a estrutura só até aquele ponto [do edifício]”, comenta a executiva. “Quanto mais concentrado, mais fácil de resolver.”

Agentes setoriais explicam que dados mais detalhados sobre o Censo vão ajudar a entender melhor, entre outros fatores, como se deu a descentralização populacional - para quais bairros, municípios ou regiões as pessoas se deslocaram - e em quais condições (se para áreas que já têm qualidade de infraestrutura ou não).

“Precisa qualificar isso [as informações do Censo], ou seja, saber se esses 34% a mais de domicílios, por exemplo, já têm acesso à água ou tratamento de esgoto”, afirma Sérgio Gonçalves, secretário-executivo da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).

Gonçalves explica que se a descentralização ocorreu rumo a locais onde a infraestrutura é ruim ou não existe, no mínimo será necessário “puxar rede”, o que pode levar a alterações em planos. O cálculo em relação aos investimentos vai variar conforme a topografia ou o tipo de projeto já em curso ou existente.

É preciso conhecer também a movimentação de pessoas que eram atendidas e continuam tendo acesso aos serviços em outro local - o que pode evidenciar aportes feitos em infraestrutura sem necessariamente incluir novos beneficiários. Isso já acontece. O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do governo federal, mostra que dobraram os pedidos para ligação em rede entre 2002 e 2021, mas o número de pessoas atendidas cresceu menos, 37%.

O marco do saneamento sugere a estratégia de adensamentos regionais para que ocorra economia de escala na prestação de serviços, complementa Gesner Oliveira, professor da FGV e sócio da Go Associados. Oliveira presidiu a Sabesp entre 2007 e 2011. “Há esse potencial [de adensamentos no país]. Mas, ao mesmo tempo, dependendo de como eles acontecem, se de forma muito precária, os desafios para fornecer os serviços podem ser grandes”.

Como o país é heterogêneo, há desde realidades como a de São José do Rio Preto (SP), onde a população cresceu 17% no mesmo período - o triplo da brasileira -, mas em um contexto em que o saneamento já era “bastante viável”, segundo Oliveira, como as regiões onde a expansão de domicílios ocorreu em locais sem arruamento e onde é mais “difícil” investir em manejo de resíduos sólidos e drenagem.

Para as prestadoras de serviços privadas, contudo, os primeiros dados do Censo entregam apenas uma “imagem mais nítida” do que precisa ser feito. “Não diminui de forma alguma o tamanho do desafio que o país tem para universalizar esse serviço”, disse Percy Soares Neto, diretor executivo da Abcon Sindicon, que reúne as operadoras privadas.

Segundo a Abcon, o aumento de domicílios “seguramente” impacta a construção de redes, que precisa ser mais robusta para atender o crescimento de manchas urbanas nas cidades. “Mas são adequações que se fazem no dia a dia da operação”, diz. “Não tem ninguém fazendo saneamento sem prever crescimento vegetativo”. Os contratos de concessão, de 30 anos, preveem a realização desses cálculos. Mudanças, se necessárias, serão “ajustes de expectativas”.

O marco do saneamento determina um horizonte para a universalização dos serviços de saneamento no país - até 2033, 99% das casas devem receber água potável e 90% delas ter coleta e tratamento de esgoto. Hoje, ao menos 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e cerca de metade da população (100 milhões) não é atendida por coleta e tratamento de esgoto, segundo o Instituto Trata Brasil.

“Essas metas, nesse prazo, já são peças de ficção. O marco é uma questão política, não numérica, e há probabilidade zero de ser alcançado. Mas é bom ter meta. Antes [delas] era o caos”, opina Canedo. Ao estabelecê-las, diz, criou-se um cenário para “forçar [a elaboração e a execução de] políticas públicas” com o fim de alcançar esses objetivos, inclusive porque o marco amplia as possibilidades para os aportes privados.


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