Setor agropecuário impulsiona avanço do PIB sem impactar a inflação

Incerteza fiscal e preços administrados mantêm IPCA sob pressão

27/04/2023 00h00 - Atualizado em 28/04/2023 às 14h31

Por redação

O impulso da agropecuária deve trazer importante contribuição ao crescimento da atividade brasileira neste ano, sobretudo no Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, sem gerar pressões inflacionárias, pelo contrário, dizem economistas. Apesar disso, enquanto as projeções para o PIB geral e agro em 2023 sobem, as previsões para o IPCA também avançam, por causa, principalmente, das incertezas em torno da necessidade de recomposição de receitas para o governo fechar a conta fiscal.

A mediana das projeções do boletim Focus, pesquisa do Banco Central com o mercado, para o crescimento do PIB em 2023 se aproxima de 1%, com o agro crescendo quase 7%. No ano passado, o PIB brasileiro avançou 2,9% apesar da queda de 1,7% do agro, puxada pela quebra de safras importantes em meio a problemas climáticos e à elevação dos custos de produção, principalmente com restrições no mercado de fertilizantes por causa do envolvimento da Rússia na guerra com a Ucrânia.

“Esse cenário bom do agro é, sim, desinflacionário. É o que estamos acompanhando: tem, no cenário de PIB, uma produção boa que pega, principalmente, o primeiro trimestre, e isso acaba ajudando a inflação”, diz Felipe Kotinda, economista do Santander.

No cenário atual do banco, a previsão para a alta do PIB neste ano é de 0,8%, com avanço de 7,6% da agropecuária. “Ajuda bastante o fato de que o Brasil está colhendo uma safra recorde de 155 milhões de toneladas de soja, aumento de 20% em relação ao ano passado”, afirma Kotinda. “Além disso, em 2022, teve um pânico global de que faltaria fertilizante por questões geopolíticas. Em dólares, esses preços já caíram. Isso até estimula o produtor a aumentar a área produtiva, o que também é baixista para a inflação”, acrescenta.

Os índices de preços aos produtores vêm precificando essas quedas, observa Maurício Une, economista-chefe do Rabobank Brasil. O Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), calculado pela FGV no âmbito do Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), recuou 1,45% em abril e, em 12 meses, acumula queda de 4,5%. “Temos a expectativa de que o IGP-M possa ficar ao redor de 4% em 2023. É um sinal de que está ocorrendo normalização das cadeias globais de produção e maior equilíbrio dos choques da pandemia e da guerra na Ucrânia. A dissipação desses choques ajuda a ter a visão de que a agropecuária pode contribuir para esse quadro geral de desinflação”, diz Une.

Nos índices de preços no atacado, soja e milho acumulam quedas, em 12 meses, ao redor de 20%, nota Kotinda. “É um impacto significativo nos preços aos produtores. Isso é propagado e acaba chegando ao consumidor, principalmente pela cadeia da proteína, já que soja e milho são muito usados em ração animal”, diz. Em 12 meses até a prévia de abril, a alimentação no domicílio no IPCA acumula inflação de 5,8%, mas os preços das carnes em geral recuam 4,1%.

Ao mesmo tempo, a exportação brasileira de commodities deve registrar níveis bastante elevados neste ano, principalmente por causa da demanda forte da China. Soma-se a isso o fato de que a Argentina, importante fornecedor de grãos para o mundo, passa por uma situação contrária à do Brasil: sob o efeito do fenômeno natural La Niña, o vizinho deve colher metade da soja do ano passado, segundo Kotinda. “Se a Argentina não vai exportar, naturalmente, quem consome dela vai ter de comprar mais dos Estados Unidos e do Brasil. E a Argentina também é grande exportadora de farelo e óleo de soja e pode comprar o grão do Brasil para processar na sua indústria”, explica o economista.

Apesar do impulso às exportações do agro brasileiro, economistas dizem não ver restrições para a oferta interna, o que poderia barrar a contribuição benigna da agropecuária para a inflação. “A atividade mais forte advinda do agro é desinflacionária, porque não vemos só preços domésticos caindo. Isso é muito importante”, diz a economista Mirella Hirakawa, da AZ Quest.

"A produção de soja é revisada sucessivamente para cima e é um dos grandes fatores que devem impulsionar o PIB no primeiro trimestre. Nesse sentido, a contribuição desinflacionária vem da soja, que é um dos itens dos quais o Brasil é formador de preços internacionais, mas também de outros em que o país acaba não tendo grande contribuição, como o trigo, cujos preços foram fortemente impactados pela guerra na Ucrânia, mas temos visto alguma acomodação na margem”, afirma Hirakawa.

A partir das curvas internacionais em dólares e “sem nenhuma premissa forte para o câmbio”, Hirakawa diz esperar que o preço da soja caia neste ano, em média, 7%, o do milho, 10%, e o do trigo, 21%. “São diversos fatores ocorrendo simultaneamente e que acabam contribuindo para que a produção interna não tenha pressão de escoamento e diminuição da oferta”, diz Hirakawa.

Kotinda, do Santander, observa ainda que o “estoque de passagem” de grãos de um ano para outro deve ficar acima do estimado como necessário. “No fim, acaba sobrando mais para o mercado doméstico”, afirma.

Entre o início do ano e agora, a expectativa da AZ Quest para o PIB geral em 2023 passou do terreno ligeiramente negativo para um crescimento de 0,5%, enquanto a perspectiva para o PIB agro foi de 2% para 5%. “Nesse período, revisamos mais de 30 pontos-base [0,3 ponto percentual] de inflação para baixo vindo de alimentação e com potencial de ser mais, caso o PIB agro fique mais perto da projeção do Banco Central de 7%”, diz Hirakawa.

Apesar disso, a expectativa da AZ Quest para o IPCA cheio passou de 4,8% para 5,9%, enquanto a mediana do Focus foi de 5,3% para 6%. “Por que o mercado reavaliou a inflação cheia para parâmetros mais altos? Foi tudo excluindo alimentação. A maior parte veio de preços administrados, da recomposição de tributos”, diz Hirakawa, reconhecendo que parte da mudança também ocorreu nas medidas de núcleo, mais ligadas à resiliência da atividade e do consumo.

As expectativas do Santander para inflação em 2023 também subiram na última revisão de cenário do banco, de 5,9% para 6,1%. O câmbio esperado em dezembro de 2023 é de R$ 5,40 por dólar.

“O câmbio está rodando abaixo disso, em grande parte, por questões mais ligadas a fluxo de dólares para o Brasil”, diz Kotinda. Com o dólar a R$ 5,40, o Santander espera, por exemplo, inflação de 2,3% para a alimentação no domicílio. “Se o câmbio se mantivesse [mais próximo do nível atual], seria [um viés] baixista”, diz o economista, ponderando que o cenário ainda é incerto por causa do fiscal.

Para Hirakawa, a apresentação do novo arcabouço pelo governo retirou o que ela chama de “riscos de cauda”. “Elimina parte dos prêmios que traziam um descolamento grande do câmbio em relação ao preço ‘justo’. Ainda não mudamos nossa projeção de câmbio a R$ 5,20/dólar. A dúvida era se teria uma desvalorização para patamares ainda mais altos, mas parece que esse risco diminuiu. Um câmbio um pouco mais fortalecido atribui viés baixista para a inflação, que não contempla R$ 5/dólar”, observa.

O real mais valorizado pode até ajudar a inflação no curto prazo, diz Une, do Rabobank. “Mas a gente ainda tem a perspectiva de que o dólar possa ficar mais próximo de R$ 5,30 ao longo do segundo semestre, que será mais desafiador”, afirma.

Um risco para o repasse da melhores dos preços no atacado ao varejo, reconhece Kotinda, é que a alta para o produtor nos últimos anos foi tão forte que ele pode querer aproveitar o “espaço” para recompor margens. “Preços no atacado e no varejo não desacelerariam na mesma proporção”, diz.


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