Por Giovanna Silva
“Não sou sul-mato-grossense, nem paulista, sou piauiense. Trabalhar com comida japonesa foi meu primeiro e único trabalho de carteira assinada”. A fala é do chef de cozinha David Rodrigues, que há oito anos entrou para o grupo Imakay. Antes de se consolidar como chef, David percorreu um longo caminho e, por razões financeiras, começou a atuar na área da gastronomia. Em busca de seu sonho, saiu do Piauí atrás de aprendizado e evolução.
David relembra quando começou a trabalhar em restaurantes, ainda novo, e sua trajetória até chegar ao Imakay. “Trabalhar foi uma necessidade para poder pagar minhas coisas, na época minha mãe não tinha condições de me bancar e eu tive sorte de entrar como ajudante em um restaurante japonês em Teresina. Depois, comprei uma passagem de ônibus e fui morar no estado do Tocantins, depois em Ribeirão Preto, interior de São Paulo e depois fui morar com uma tia na capital paulista. Também passei um tempo no sul da Itália, onde estudei, aprendi e evolui, até receber o convite para chefiar o Imakay em Campo Grande”.
Antes de chegar à Cidade Morena, David passou por um processo de formação. “Fui pulando de estado em estado fazendo cursos. Lembro que fiz um curso muito bom em uma escola que veio do Japão para São Paulo e foi um divisor de águas na minha vida, foi onde conheci a gastronomia japonesa raiz. Nessa época ainda não estava no Imakay e é engraçado, porque parece que eu me preparei por inteiro como profissional para entrar no restaurante”.
Hoje, aos 31 anos de idade, David é chef-sócio do Imakay e relembra como foi o início da sua atuação no restaurante. “Seis meses depois da abertura do Imakay em Campo Grande, a empresa sofreu uma baixa e perdeu praticamente todo o time. Eu vim com a missão de continuar o trabalho, reinventar e inovar o cardápio do restaurante”.
Denominação de origem
O Imakay foi fundado em fevereiro de 2015 em Campo Grande, inovou a gastronomia japonesa e se consolidou como um dos melhores restaurantes da capital. Em 2019, quatro anos após a inauguração, veio a oportunidade de abrir um Imakay em São Paulo. Hoje, o restaurante se consagrou no mercado gastronômico com uma vasta clientela nas duas cidades.
Para David, o restaurante mudou o cenário da gastronomia japonesa em Campo Grande e contribuiu para o crescimento e amadurecimento da culinária local. “Existem vários parâmetros de gastronomia japonesa, tanto para quem come, quanto para quem faz. Há oito anos a cozinha japonesa era muito simples ou abrasileirada demais, para se ter ideia, o sushi vinha com cebola em cima, com doritos e isso não condiz com a gastronomia japonesa raiz. Na época, o Imakay trouxe isso pra cidade, introduziu o conceito de servir a la carte, de fazer o sushi na hora e o cliente comer ele fresco”, relembra.
Segundo o chefe-sócio, um dos momentos mais desafiadores da trajetória do Imakay até aqui foi a abertura do restaurante em São Paulo. “Quando a gente recebeu o convite do investidor para abrir em São Paulo, demos dez passos para trás, porque é um outro mercado. Automaticamente você já sofre preconceito no quesito de ‘o que um restaurante japonês e sul-mato-grossense vai fazer em São Paulo? Os caras vêm de Mato Grosso do Sul para brigar com os grandes em São Paulo?’. Eu lembro que no início, dormi diversas noites dentro do restaurante estudando, criando, fazendo ficha técnica. Na época eu era casado, perdi o casamento por causa dessa abertura de loja, para ter ideia do quanto foi importante para a vida da gente abrir o Imakay em São Paulo”.
No final, todo o esforço valeu a pena. O Imakay apresentou uma gastronomia de alto nível na capital paulista, com uma apresentação impecável que atraiu os meios de comunicação e também alguns prêmios. O restaurante chegou a receber, inclusive, uma visita de um inspetor do Guia Michelin. “Na época tinha o Guia Michelin Rio/São Paulo, hoje não tem mais, eles deram uma cessada, mas quem ganhou a estrela, manteve. Eu lembro quando o crítico foi até o Imakay, o inspetor era um espanhol, não se identificou, sentou no balcão, foi servido e gostou, só que a gente não ganhou uma estrela, não tínhamos ainda maturidade para isso, eles são muito criteriosos para dar a estrela. Nós ganhamos uma recomendação no Guia Michelin, o inspetor avaliou o Imakay e fez uma crítica muito positiva, acho que a gente ganhou um “garfinho” que é quando o crítico vai ao restaurante. No site deles tem até hoje a avaliação que fizeram”, conta David.
David acredita que um dos grandes diferenciais do Imakay é a prioridade pela qualidade do insumo. "É crucial ter os melhores pescados, demorou anos, mas hoje a gente sabe tudo sobre ele, e isso se chama denominação de origem. Eu sei onde o insumo é pescado, de onde vem, o dia, a hora que foi pescado, se subiu a bordo vivo ou morto”.
Para ele, além da qualidade da gastronomia, o conjunto mão de obra e infraestrutura oferecem uma experiência agradável, confortável e completa para o cliente. “Outro diferencial é a nossa mão de obra que capacitamos a todo momento. Além disso, no Imakay a gente tem uma cadeira confortável, investimos porque sabemos que é muito chato você ir em um restaurante e sentar em uma cadeira dura. Quando se monta um restaurante, uma das primeiras coisas que você tem que pensar no salão é no conforto do cliente, uma cadeira decente, comida decente, atendimento decente, estrutura de banheiro decente, é todo esse conjunto”.
Umami
Quando perguntado de onde vem a inspiração para os pratos, David diz que a parte criativa é um processo pessoal de cada cozinheiro. "Várias coisas me inspiram. A inspiração está em todo o momento, em todos os lugares, desde uma ideia que surge do nada até num simples bar que você visita. Eu tenho minhas fontes de pesquisa, memória afetiva, viajo muito pelo Brasil dando consultoria e sempre anoto e guardo tudo que eu degusto. No processo criativo eu anoto, desenho os pratos para entender, visualizar e depois executar, eu chamo isso de esqueleto. Além dos desenhos, eu anoto os ingredientes e faço uma prévia do modo de preparo, como se fosse uma receita”.
Ainda sobre o processo criativo, David diz que costuma pesquisar referências do que está em alta no exterior, como Europa, Japão e Estados Unidos. “Eu acho que nada se cria, as coisas se transformam. Há quem copia, mas eu, por exemplo, me inspiro e transformo do meu jeito, não faço igual. Isso no meio gastronômico é desleal, é um insulto você copiar o prato do seu companheiro, é repugnante, falamos entre os cozinheiros e ninguém aceita esse tipo de atitude, então as coisas vão se transformando. A gente vai dando um toque, arrumando ali, aqui e vai evoluindo até chegar no cardápio final”.
Em relação aos pratos de destaque do Imakay, David cita o Ussuzukuri de pescado branco ou salmão acompanhado pelo molho ácido Ponzu, feito a base de limão, laranja e shoyu. “Tem uma técnica de corte em forma de espiral, originária do Japão, chamada Ussuzukuri. A gente aprendeu com um sushiman aqui em Campo Grande e difundimos esse prato para o Brasil, que não era muito conhecido e a técnica não era tão bonita quanto está hoje. Ela foi aperfeiçoada por mim e pelo Douglas e a gente espalhou nas viagens de consultoria”.
Outro prato autoral do Imakay citado por David é a salada de presunto de atum com figo fresco, azeite e tomate marinado em vinagre e mel, que, segundo ele, tem uma acidez interessante no prato. “O cardápio por inteiro vende bastante, sushis, uramaki com salmão, avocado e manteiga aromatizada com trufa, a gente coloca manteiga em cima e inserimos na brasa para derreter e dar uma nota de defumado”.
Para quem nunca visitou o restaurante e não sabe que prato pedir, David sugere que o cliente se sente ao balcão para ter uma experiência diferenciada. “O Imakay foi um dos primeiros no estado a trabalhar com o balcão e eu indico sentar ali, explicar, conversar com o sushiman e degustar alguns sushis. Eu escuto muitas pessoas falarem que não gostaram de comer o sushi, mas para você servir um bom sushi, existem vários pré-requisitos. Você precisa saber fazer um bom arroz, que é diferente do arroz que nossa avó ou nossa mãe cozinha em casa. O arroz japonês exige um cuidado maior, uma lavagem melhor, você saber temperar esse arroz com um molho, e isso é pessoal de cada sushiman, você servir ele na temperatura e na textura correta. O arroz do sushi não é gelado, ele é morno; o peixe não é gelado, é frio, tem que estar ali a 18/19 graus e o arroz aos 36 graus, justamente para ter esse contraste morno e frio. O peixe precisa ser bem trabalhado e a quantidade de wasabi em cada pescado precisa estar ideal, com a quantidade correta de shoyu pincelado. Esse é o melhor sushi que existe e é uma experiência inesquecível”.
Segundo David, a culinária japonesa é uma das que mais crescem no mundo e isso ocorre porque ela é viciante. “A comida japonesa vicia por conta do Umami, que é o quinto sabor do paladar humano. O que acontece é que tem gente que não tem uma boa experiência e, para ter uma boa experiência, eu indico que o cliente escolha um bom restaurante e que ele sente no balcão, converse com o sushiman e deguste alguns sushis. Não tem nada melhor que um bom Niguiri, bem simples, sem muito firula, raiz”.
Histórias e referência
David diz que, enquanto permanecer no Imakay, sua missão é fazer com que o local se transforme em uma espécie de "Camarões", restaurante que ele conheceu em Natal. “O Camarões tem 32 anos e o povo potiguar é extremamente apaixonado por ele, porque é motivo de orgulho para eles. O restaurante cresceu de uma forma absurda que virou referência para a população e a minha missão no Imakay é que as pessoas o enxerguem como referência no estado, como pioneiro, e se um dia alguém perguntar ‘Onde eu como um bom sushi?’ a pessoa possa responder ‘Tem esse lugar aqui que eu indico de olhos fechados, que é o Imakay".
Em relação aos planos futuros, David conta que tem o projeto de lançar um livro chamado Histórias de Balcão, onde ele irá reunir todas as experiências que vivenciou durante os anos como chef. “Quando você trabalha no balcão, principalmente em São Paulo, você recebe todo tipo de cliente. Do cara extremamente milionário ao cara mais simples que só quer fazer uma refeição. Então você escuta de tudo, eu falo que quem trabalha no balcão é um tipo de psicólogo, o que eu dei de conselho, o que eu vi de casal brigando, do cara estar ali com a amante e chegar a mulher, por isso vou escrever o livro de histórias de balcão, porque eu já vi muita coisa”.